Especialistas analisam impacto do anúncio de Bad Bunny no Super Bowl para a música latina

A presença de Bad Bunny no show do intervalo de 2026 é vista como sinal da força cultural da América Latina e projeta debates políticos no maior palco do entretenimento
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Nathália Pandeló
Carlos Taran e Dani Pepper comentam o anúncio de Bad Bunny no Super Bowl
Carlos Taran e Dani Pepper comentam o anúncio de Bad Bunny no Super Bowl (Crédito: Divulgação)

O anúncio de Bad Bunny como atração principal do show do intervalo do Super Bowl LX, marcado para 8 de fevereiro de 2026 no Levi’s Stadium, na Califórnia, colocou mais uma vez a música latina no centro do maior espetáculo de entretenimento dos Estados Unidos. Para além da performance, a escolha da NFL, em parceria com a Apple Music e a Roc Nation, reflete transformações demográficas, culturais e políticas em um país onde os hispânicos já representam cerca de 20% da população.

O cantor porto-riquenho chega a esse palco com números que ajudam a explicar sua seleção. Em 2022, o álbum “Un Verano Sin Ti” tornou-se o mais ouvido da história do Spotify, e em 2024 ele foi o terceiro artista mais escutado globalmente, único latino a figurar no top 5. Seus shows também têm efeito econômico considerável: a residência em Porto Rico, transmitida pelo Amazon Prime em seu último show, movimentou aproximadamente US$ 400 milhões no PIB da ilha e quebrou recordes de audiência da plataforma.

Para o Carlos Taran, CEO da Music Tour, a força desses números já justificaria a escolha. 

“Bad Bunny tem sido um dos artistas mais ouvidos do mundo nas plataformas de streaming nos últimos anos, incluindo a Apple Music, patrocinadora do evento em que será headliner. Isso já de por si é motivo suficiente”

O peso cultural do show do intervalo

O show do intervalo do Super Bowl é, há décadas, um dos momentos mais aguardados da cultura pop global. Criado originalmente como entretenimento complementar ao jogo, o espaço ganhou status próprio, transformando artistas em ícones mundiais e ditando tendências.

Para muitos músicos, trata-se de uma vitrine mais impactante do que premiações tradicionais, já que a audiência ultrapassa os 100 milhões de espectadores apenas nos Estados Unidos e alcança outros 180 países. O interesse brasileiro pelo esporte também cresceu: a audiência nacional aumentou 310% nos últimos anos.

Esse impacto se traduz em efeitos imediatos no mercado musical. As performances no Super Bowl impulsionam catálogos, elevam números de streaming e reposicionam carreiras. Michael Jackson, em 1993, definiu a grandiosidade do espetáculo; já Prince, em 2007, consolidou a ideia de performance ao vivo como experiência coletiva.

A empresária Dani Pepper, CEO da Urbanpop e VP da K2L, vê a escolha como parte desse legado. 

“O Super Bowl sempre foi o palco do mainstream global, e nada mais justo do que o artista do ano ocupar esse lugar. Ele retorna 5 anos depois de participar do show de 2020 sendo protagonista e dando um recado forte pros Estados Unidos: a comunidade latina é gigante, movimenta cultura, política e economia, e merece estar no centro do maior espetáculo de entretenimento do mundo.”

O peso político do show do intervalo

Bad Bunny (Crédito: Eric Rojas)
Bad Bunny (Crédito: Eric Rojas)

As performances no Super Bowl também carregam uma dimensão política. Como bem lembrou Dani, em 2020, Shakira e Jennifer Lopez dividiram o palco com participações do próprio Bad Bunny e também de J Balvin, em uma apresentação que incluiu símbolos ligados à imigração. 

Em 2016, Beyoncé foi acusada por setores conservadores de criticar as forças policiais, enquanto em 2025, Kendrick Lamar recebeu mais de 100 reclamações à FCC de telespectadores que alegaram falta de representatividade branca no palco.

Esses episódios mostram que o Super Bowl não é somente entretenimento, mas também um espaço de disputa simbólica. Para Carlos Taran, a presença de Bad Bunny amplia esse caráter. 

“Claro que o aceno é para a comunidade latina dos Estados Unidos se sentir valorizada e, porque não, aproximar mais esse público do evento. Mas o fato dele participar no maior evento esportivo do país se torna, de alguma forma, um passo importante na carreira dele porque vai chegar a uma quantidade enorme de pessoas e virar uma notícia cultural que está sendo manchete no mundo inteiro.”

Um ato político e cultural

A força política desse anúncio não passa despercebida. Dani Pepper destaca: 

“Praticamente é um ato político forte, né? Isso mostra que não tem mais como ignorar a força da música latina.”

Para ela, a escolha foi acertada por reconhecer o alcance do artista porto-riquenho. 

“Bad Bunny é inevitável porque é sucesso global. Ele estourou cantando em espanhol, sem se americanizar, e mesmo assim virou o artista mais ouvido do planeta. Culturalmente, ele representa uma geração inteira que se orgulha das suas raízes. Ele é a definição perfeita de artista pop, mainstream e prova que não precisa cantar inglês pra conquistar o mundo.”

Carlos Taran também ressalta o alcance político dessa plataforma. 

“O evento oferece ao artista uma comunicação que chega a um percentual altíssimo da população americana. Algo que, em tempos de ICE, lhe oferece uma oportunidade para se manifestar politicamente, algo que nunca lhe foi alheio.”

Implicações para além da música

O anúncio de Bad Bunny como atração do show do intervalo do Super Bowl acontece em um momento em que a questão migratória continua sendo um dos principais pontos de tensão política nos Estados Unidos. Nos últimos anos, a atuação da ICE (Immigration and Customs Enforcement) gerou apreensão entre comunidades latinas, que relatam perseguição e medo de deportações em situações cotidianas, inclusive em eventos culturais.

Esse cenário influenciou diretamente as decisões do artista. Bad Bunny optou por não realizar shows nos Estados Unidos no ciclo de divulgação de seu álbum mais recente, declarando receio de que agentes da imigração usassem os eventos como alvo de batidas para prender imigrantes. Assim, a apresentação no Super Bowl será a única do artista em território norte-americano neste período, o que intensifica o peso político do gesto.

Ao aceitar o convite, Bad Bunny transforma o palco do maior evento esportivo e cultural do país em uma arena de visibilidade para a comunidade latina. Mais do que entreter milhões de espectadores, sua presença aponta para uma disputa simbólica sobre quem pode ocupar espaços de centralidade na cultura americana. O show do intervalo de 2026, portanto, carrega a expectativa de unir espetáculo musical e afirmação política em escala global.

“É por aqueles que vieram antes de mim e correram incontáveis jardas para que eu pudesse marcar um touchdown. Isso é pelo meu povo, minha cultura e nossa história. Vá dizer à sua avó que faremos o show do intervalo do Super Bowl”, comemorou o músico.

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