Nas últimas semanas, artistas da música brasileira vêm usando as redes sociais para denunciar os efeitos de um mercado cada vez mais guiado por algoritmos. O movimento, identificado pela hashtag #ProShowNãoAcabar, reúne nomes de diferentes gêneros e gerações em uma crítica pública à forma como plataformas digitais e redes sociais influenciam a produção artística, a visibilidade e o retorno financeiro no setor.
A cantora Vanessa Moreno foi uma das primeiras a se manifestar:
“Música virou conteúdo com prazo de validade. #ProShowNãoAcabar”, escreveu em seu perfil no Instagram.
A postagem recebeu apoio imediato de nomes como Zélia Duncan, Ellen Oléria, Kiko Loureiro (Angra e Megadeth), João Suplicy, Joyce Moreno e Cláudio Nucci. O uso da hashtag se multiplicou entre artistas de diferentes estilos, com falas que apontam para um esvaziamento da música enquanto arte autoral.
Algoritmo como filtro de alcance
Entre os principais pontos levantados pelos artistas está a dificuldade de alcançar o público sem depender do desempenho dos algoritmos. Márcio Buzelin, tecladista do Jota Quest, publicou:
“A música é boa. Mas o algoritmo não achou. Imagino os artistas novos, a dificuldade em ter alcance nessa indústria tão ‘matemática’. Eu apoio esse movimento. #ProShowNãoAcabar”.
Na mesma linha, Tibless, backing vocal do Jota Quest e artista do Soul Brasileiro, destacou a inversão de prioridades:
“Fazer música virou menos importante do que fazer dancinha”.
Já o músico e produtor Mr. PinGO escreveu:
“Postar não deveria ser mais urgente que compor. Queria fazer música – não só alimentar o feed”.
Os relatos evidenciam a pressão crescente sobre músicos para produzir conteúdo constante, muitas vezes em detrimento da criação artística.

Criação sufocada por métricas
A advogada Maria Rita Lunardelli, especialista em direitos autorais e atuante há mais de uma década na defesa de um mercado mais justo, observa que o atual modelo digital afeta diretamente a sustentabilidade do trabalho artístico.
“O valor da música foi reduzido a centavos por play e músicos acompanhantes sequer recebem da maioria das plataformas. Milhões de likes, curtidas, views em redes sociais, nem sempre se convertem em retorno financeiro”, analisa.
Segundo ela, mesmo quando artistas investem em impulsionamento, a entrega do conteúdo ainda depende do algoritmo.
“Parece que viralizar passou a valer mais do que ter talento. Postar o tempo todo virou obrigação e a pressa por lançar está superando o cuidado em criar. Isso sufoca, silencia e tira voz de quem cria”, conclui.
Pressão e invisibilidade nas redes
Outros nomes que aderiram à hashtag #ProShowNãoAcabar incluem a cantora Indy Naíse, o músico e compositor André Moraes, o gaitista Jefferson Gonçalves e a banda de rock paulista Almanak. Em comum, todos manifestam preocupação com a substituição da trajetória artística por métricas e engajamento digital.
Para Ellen Cristiane, vocalista da Almanak, a rotina exigida pelas redes não é compatível com os tempos da criação musical.
“Às vezes, parece que ser artista hoje em dia é ter que lançar sem parar. Se o artista para, o algoritmo esquece. E isso pesa. Pesa porque a arte precisa de tempo, de processo, de pausa. Não é o talento que decide quem aparece, é o algoritmo”, afirmou.
Reação coletiva e novas conversas
A mobilização nas redes sociais tem gerado discussões não apenas entre artistas, mas também entre profissionais da indústria musical e o público. A hashtag #ProShowNãoAcabar passou a representar um espaço de reflexão sobre como as estruturas digitais impactam a criação e o sustento de quem vive da música no Brasil.
Com o avanço da digitalização e a centralidade dos algoritmos, os artistas buscam estratégias para driblar a lógica das plataformas sem perder o vínculo com seus públicos. A movimentação sugere um momento de repensar modelos de distribuição, alcance e valorização da música enquanto expressão artística.
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