Arlindo Cruz: o legado de um sambista completo que eternizou o gênero em mais de 550 composições

Morto aos 66 anos, Arlindo Cruz deixa uma trajetória marcada por clássicos, parcerias históricas e contribuição única ao samba.
Foto de Nathália Pandeló
Nathália Pandeló
Arlindo Cruz

Figura central do samba nas últimas décadas, Arlindo Cruz morreu nesta sexta-feira (8), no Rio de Janeiro, aos 66 anos. Internado desde março, o artista convivia com as sequelas de um AVC sofrido em 2017 e estava em estado grave nas últimas semanas. Mesmo afastado dos palcos, sua presença se manteve forte na cultura popular brasileira, com músicas celebradas em rodas de samba, escolas de samba e grandes shows.

Compositor, cantor e multi-instrumentista, Arlindo construiu uma carreira extensa e respeitada. Criado em Madureira, bairro que eternizou na música “Meu Lugar”, ele começou ainda criança no cavaquinho e nunca mais abandonou a música. 

Ao longo de mais de 40 anos de trajetória, assinou centenas de sambas gravados por grandes nomes, foi integrante do grupo Fundo de Quintal, brilhou em carreira solo e criou sambas-enredo marcantes para o carnaval carioca.

De compositor das rodas ao palco do Fundo de Quintal

Foi no Cacique de Ramos que Arlindo começou a ganhar projeção como compositor. Músicas como “Grande Erro”, gravada por Beth Carvalho, e “Novo Amor”, interpretada por Alcione, marcaram esse período. Seu talento para compor sambas acessíveis, poéticos e contundentes chamou atenção e, em 1981, ele assumiu os vocais do Fundo de Quintal, após a saída de Jorge Aragão.

Durante os 12 anos em que integrou o grupo, Arlindo participou da gravação de alguns dos maiores clássicos do pagode dos anos 1980 e início dos anos 1990. Faixas como “Seja Sambista Também”, “Só Pra Contrariar” e “Castelo de Cera” fazem parte do repertório dessa fase. A saída do grupo em 1993 abriu caminho para sua carreira solo, que seria marcada por álbuns, DVDs, prêmios e novas parcerias.

Centenas de sambas e parcerias históricas

Ao longo da carreira, Arlindo Cruz compôs ou coassinou mais de 550 sambas. Suas músicas foram gravadas por intérpretes como Zeca Pagodinho, com quem dividiu sucessos como “Bagaço de Laranja” e “Casal Sem Vergonha”, e Beth Carvalho, que registrou canções como “Jiló com Pimenta” e “A Sete Chaves”. Em 2015, Arlindo foi vencedor do Prêmio da Música Brasileira e, ao longo dos anos, recebeu cinco indicações ao Latin Grammy.

Mesmo afastado dos palcos após o AVC, seu repertório continuou em evidência. Em 2023, foi homenageado pelo Império Serrano, sua escola do coração, com o enredo “Lugares de Arlindo”. O artista desfilou ao lado da família em um trono alegórico, num dos momentos mais emocionantes daquele carnaval.

Arlindo Cruz

Sambas-enredo e influência no carnaval carioca

Além da atuação em carreira solo e em grupo, Arlindo Cruz teve papel fundamental como compositor de sambas-enredo. Foi autor de sambas memoráveis do Império Serrano, incluindo os campeões de 1996 e 1999, além de títulos em outros anos como 2001, 2003, 2006 e 2007. 

Em 2008, assinou o samba da Grande Rio com o enredo “Do Verde de Coari Vem Meu Gás, Sapucaí!”. Também compôs para agremiações como Vila Isabel e Unidos da Tijuca, e venceu quatro vezes o prêmio Estandarte de Ouro de melhor samba-enredo.

Com sua contribuição ao carnaval, Arlindo ajudou a fortalecer a tradição das escolas de samba e foi responsável por renovar a linguagem do enredo em suas letras. Suas composições misturavam poesia, crítica social e valorização da ancestralidade, sempre com musicalidade refinada.

Banjo, voz e poesia

Apelidado de “o sambista perfeito”, título que virou nome de sua biografia lançada em 2025, Arlindo Cruz ficou marcado por sua maestria no cavaquinho, no banjo e no violão. Sua musicalidade sempre veio acompanhada de um forte senso de identidade cultural e de pertencimento à comunidade do samba.

A esposa Babi Cruz, os filhos Arlindinho e Flora Cruz, além de músicos, amigos e milhares de fãs, acompanharam de perto sua batalha pela vida desde o AVC de 2017. Em julho de 2025, Babi relatou que o artista já não respondia mais a estímulos, um sinal da piora do quadro clínico. Arlindo estava internado desde março com uma infecção pulmonar causada por bactéria resistente.

Uma despedida que reforça o valor de sua obra

A notícia de sua morte gerou comoção e homenagens em todo o Brasil. Em nota, a família afirmou: 

“Mais do que um artista, Arlindo foi um poeta do samba, um homem de fé, generosidade e alegria, que dedicou sua vida a levar música e amor a todos que cruzaram seu caminho.”

O impacto de Arlindo Cruz no samba é mensurável para além da quantidade de músicas ou prêmios, mas também pela forma como sua obra se espalhou por gerações e resistiu ao tempo. Compositor afinado, instrumentista virtuoso e figura carismática, ele transformou rodas de samba em espaços de memória, festa e afirmação cultural.

Mesmo em silêncio desde 2017, sua música continuou a falar por ele. E continuará.

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