O valor global dos direitos musicais alcançou um novo recorde em 2024. Segundo o levantamento anual conduzido por Will Page, economista e ex-chefe de economia do Spotify e da PRS for Music, o setor movimentou US$ 47,2 bilhões no último ano, quase o dobro do registrado há uma década.
O dado confirma a recuperação definitiva do mercado após os impactos da pandemia, mas também indica uma mudança de fase. O crescimento anual foi de 5,2%, equivalente a US$ 2,3 bilhões a mais do que em 2023. De acordo com o estudo, este é o primeiro ano em que os efeitos artificiais provocados pela Covid-19 deixaram de influenciar os números, levando a indústria a um cenário mais previsível.
Ao longo do relatório publicado pela Pivotal Economics, Page deixa claro que o número absoluto, embora expressivo, não explica sozinho o momento do setor. A origem das receitas, a divisão entre os agentes e o peso crescente de mercados locais ajudam a entender por que o mapa da música global está sendo redesenhado.
Como os US$ 47,2 bilhões se distribuem
Do total calculado em 2024, US$ 29 bilhões vieram da música gravada, o equivalente a 61% do valor global. As composições responderam por 39%, somando US$ 18,2 bilhões quando se consideram tanto a arrecadação via entidades de gestão coletiva quanto as receitas diretas das editoras.
As entidades de gestão coletiva cresceram 8% no último ano, alcançando US$ 13,6 bilhões. Já as receitas diretas das editoras, quando não passam por essas entidades, tiveram leve retração de 1%, fechando em US$ 4,6 bilhões. As gravadoras, por sua vez, avançaram 5% na comparação anual.
O recorte de dez anos ajuda a entender as transformações estruturais. Desde 2014, as receitas das gravadoras dobraram, as entidades de gestão coletiva cresceram cerca de 50% e o licenciamento direto das editoras aumentou 112%. O estudo aponta que essa dinâmica sustenta a estratégia de editoras que buscam reduzir intermediários e negociar diretamente com plataformas e usuários.
Streaming muda a divisão do valor

Um dos pontos centrais da análise é a divisão entre receitas de consumo direto e licenciamento para empresas. Page mostra que a lógica é simples, embora pouco intuitiva. Quando a música é vendida diretamente ao consumidor, como nos serviços de assinatura, as gravadoras tendem a ficar com a maior parte do valor. Quando a licença é feita para negócios, como TV, rádio, varejo ou hotelaria, editoras e compositores costumam sair na frente.
Em 2014, com o streaming ainda longe de dominar o mercado, a divisão global dos direitos musicais estava próxima de 50%. Em 2024, com o avanço das assinaturas, essa proporção mudou para 62% a favor de gravadoras e artistas, contra 38% para compositores, editoras e entidades.
Essa lógica também ajuda a explicar por que a inteligência artificial gera tantas incertezas. Dependendo de como os acordos se estruturam, a IA pode criar novas receitas no consumo direto, mas reduzir valor em usos profissionais, como trilhas de produção e bibliotecas musicais.
Mercados ricos seguem concentrando receita
Outro alerta do estudo está na diferença entre volume de consumo e geração de receita. Em 2024, os mercados mais ricos da Europa, América do Norte, Austrália, Japão, Coreia do Sul, Hong Kong e Singapura responderam por quase 60% dos streams globais, mas por cerca de 90% do valor financeiro.
Já os mercados emergentes continuam impulsionando o crescimento em volume, mas com pagamentos médios por stream bem menores. O resultado é um mercado global altamente dependente da saúde econômica dos países mais ricos. Se esses mercados desaceleram, o impacto sobre a receita global é imediato.
Brasil vira exemplo de força local com impacto global

O conceito de glocalização aparece como um dos eixos centrais do relatório. A ideia é que artistas locais dominam seus próprios mercados, cantando em seus idiomas, e ainda assim conseguem alcançar relevância internacional.
O Brasil surge como um dos exemplos mais contundentes dessa dinâmica. O Top 100 de artistas no YouTube no país é formado exclusivamente por artistas brasileiros cantando em português. Ainda assim, nomes como MC Cabelinho, Evoney Fernandes e Natanzinho Lima alcançaram posições de destaque em rankings globais, mesmo com mais de 97% dos streams concentrados no mercado brasileiro.
“Little Love, de MC Cabelinho, chegou ao segundo lugar no ranking global de álbuns de estreia mesmo com 99,5% dos streams vindos do Brasil”, afirma Roni Maltz Bin, CEO do Grupo Sua Música, em declaração reproduzida no estudo.
O que esperar dos próximos anos
O relatório indica que o mercado de direitos musicais deve ultrapassar os US$ 50 bilhões em breve, mas levanta dúvidas sobre a possibilidade de repetir o ritmo de crescimento da última década. A saturação das assinaturas em países ricos, os efeitos assimétricos da IA e a falta de dados completos em mercados como a China aparecem como fatores decisivos.
Segundo Page, medir melhor é parte do crescimento. Hoje, apenas cerca de um quarto dos países do mundo entram nos grandes relatórios globais de direitos musicais. O que não é medido simplesmente não entra na conta. Para a indústria, isso indica que o próximo salto pode vir menos da inovação tecnológica e mais do esforço de mapear mercados ainda “invisíveis” nas estatísticas globais.
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