Se o sertanejo já domina paradas e playlists no país, faz sentido que ele comece a ocupar também o centro da dramaturgia. Em “Coração Acelerado”, nova novela das sete da TV Globo, o gênero deixa de servir apenas como trilha. Aqui, ele organiza relações familiares, inspira conflitos, movimenta negócios e guia a forma como os personagens se apresentam ao mundo.
A aposta conversa com o momento da indústria. Segundo a Pro-Música Brasil, o sertanejo segue entre os estilos mais consumidos no país: no ranking das 50 faixas mais tocadas no primeiro semestre de 2024, oito dos dez artistas com maior volume de plays são do gênero. O Spotify também mostrou que o sertanejo manteve posição de destaque na retrospectiva de 2025, com duplas como Henrique & Juliano entre os líderes de audiências nacionais.
Sertanejo que domina o fone agora organiza a novela

Esse peso aparece desde os primeiros núcleos. Em Bom Retorno, cidade fictícia em Goiás, a cultura sertaneja atravessa tudo: do clã Amaral, dono do grupo que administra eventos, moda e negócios country, aos concursos, carreatas e festas que moldam sonhos e rivalidades.
É nesse universo que surgem Agrado Garcia (Isadora Cruz), compositora que tenta se firmar em um mercado ainda desigual para mulheres; João Raul (Filipe Bragança), ídolo conhecido como “Mozão do Brasil”; e Naiane Sampaio (Isabelle Drummond), influencer que transforma dança, moda e vida pessoal em combustível para engajamento.
As histórias percorrem situações bem familiares para quem acompanha o gênero: pressão por hits, exposição constante, contratos pesados e a mistura entre vida privada e estratégia de carreira. A relação da família Sampaio Garcia com a música, por exemplo, sustenta um trauma que ecoa por gerações, enquanto a ascensão de Naiane se apoia diretamente no mundo conectado que deu gás ao alcance do sertanejo nos últimos anos.
Segundo a autora Izabel de Oliveira, a construção do universo da novela nasceu de um momento muito específico:
“A ideia começou em 2019, quando o feminismo estava super bombando, a comunicação com o público era cada vez maior com as redes sociais, os rodeios com mega eventos. E as mulheres eram algumas das principais artistas do sertanejo no país.”
Ela explica que, quando a Globo aprovou o projeto, a equipe quis trazer essa dinâmica para dentro da dramaturgia.
“Então quando a Globo topou fazer a novela, a gente quis trazer esse universo para dialogar, as redes sociais, faz tudo parte da história.”
Maria Helena Nascimento complementa que o sertanejo atual tem um impacto difícil de ignorar.
“Essa coisa mega, grandes produções… Tudo que envolve a música cresce muito, então temos também esse contexto muito luxuoso.”
Para ela, o gênero oferece uma porta direta para falar de fama, narrativa pública e conflitos que escapam da ficção.
“Queremos trazer as narrativas, a ‘novela da vida real’, uma realidade da vida das celebridades. O nosso triângulo amoroso é totalmente invadido pelas narrativas fakes e tudo isso vai mudar por essa interferência.”
As autoras também comentam a presença do tema do esgotamento emocional, comum nas carreiras musicais de grande exposição.
“Trazemos também essa realidade dos artistas à beira do burnout. Isso não foi inspirado em ninguém especificamente, mas era algo que observamos em geral, sempre na mídia. Não é que a gente tenha se influenciado com um caso específico, a gente viu vários casos que se assemelhavam. E pensamos, ‘isso tem que entrar na narrativa’”, completa Izabel.
Do roteiro ao repertório: a música como método
Nos bastidores, o processo de criação também usa ferramentas comuns no mercado. A equipe liderada pelo diretor artístico Carlos Araujo, pela gerente de produção musical Juliana Costantini e pelos produtores Daniel Musy e Victor Pozas organizou song camps em parceria com a editora Warner Chappell Music. Compositores de diferentes regiões criaram mais de 40 músicas a partir de briefings específicos para cada personagem, algo raro na dramaturgia da Globo até agora.
Essa lógica se aproxima de práticas já consolidadas no sertanejo, em que repertório é desenvolvido com equipes de composição e testes de encaixe vocal, emocional e comercial. Em “Coração Acelerado”, essas músicas funcionam como parte do próprio texto: revelam fases, ajudam a definir identidades e estabelecem pontes diretas com o público.
Ficção e palco real: quando a novela se antecipa à estreia

A aproximação com o mercado ganhou uma vitrine antes mesmo do primeiro capítulo. Uma cena especial foi gravada durante um show de Maiara & Maraisa, em Crixás (GO), com o personagem João Raul (Filipe Bragança). No palco, ele cantou “Fora do Compasso”, faixa inédita criada para a novela em parceria com a dupla, além de interpretar “Queria Ser o Batom”, música que fará parte do repertório do personagem.
Esse lançamento antecipado, somado ao clipe gravado em estúdio e à disponibilização das músicas nas plataformas, cria o mesmo ciclo de divulgação usado por artistas reais. A novela se apresenta ao público pelo ouvido, antes de se apresentar pela TV.
Quando a vida de astro sertanejo vira narrativa
O arco de João Raul também toca debates presentes no gênero: contratos rígidos, desgaste emocional e pressão por performance constante. O personagem vive preso ao empresário Ronei Soares (Thomas Aquino), que transforma o cantor em uma máquina de hits, enquanto a vida pessoal é acompanhada pelo público como uma novela paralela.
O romance com Naiane, incentivado estrategicamente, mistura fandoms e expectativas, até o momento em que João Raul resgata a “garota do passado” em uma postagem que muda a relação de forças. É o tipo de dinâmica que hoje define carreiras de muitos artistas, em que música, imagem e tempo real formam uma equação difícil de equilibrar.
A busca de Agrado por espaço também dialoga com transformações recentes do sertanejo, especialmente a ascensão feminina e a chegada de vozes que deram destaque ao repertório emocional do gênero.
No conjunto, “Coração Acelerado” transforma o sertanejo em lente dramática e ambiente de trabalho, mas também em termômetro de um Brasil que escuta, consome e comenta música sertaneja diariamente, seja no fone, no TikTok, nas festas ou, agora, na novela das sete.
Leia mais:
- Morre aos 38 anos Joyce Prado, premiada diretora que trabalhou com Luedji Luna e Margareth Menezes
- Beatport e a ONErpm lançam documentário que destaca o impacto do Funk Brasileiro na cena eletrônica mundial
- Revelação do Forró, Léo Foguete assina contrato com a Universal Music Brasil
- Mundo da Música marca presença em Luanda na 2ª edição do Angola Music Business Networking
- Zeca Pagodinho é homenageado no Prêmio UBC 2025 em noite de celebração no Rio de Janeiro








