Audiência na Câmara discute regulação da inteligência artificial e direitos culturais

A Comissão de Cultura realizou audiência pública para debater o impacto da IA na proteção dos direitos autorais e no trabalho criativo.
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Nathália Pandeló
Audiência na Câmara debate regulação da inteligência artificial e proteção dos direitos culturais
Audiência na Câmara debate regulação da inteligência artificial e proteção dos direitos culturais (Crédito: Reprodução/TV Câmara)

A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados promoveu nesta terça-feira (28) uma audiência pública para discutir a “Regulação da Inteligência Artificial e a proteção dos direitos culturais”, atendendo ao requerimento nº 43/2025, apresentado pela deputada Denise Pessôa (PT-RS). 

O encontro aconteceu no Plenário 10 do Anexo II e reuniu representantes do governo, de entidades da indústria cultural e de artistas, com o objetivo de aprofundar o debate sobre o Projeto de Lei nº 2338/2023, que trata da regulação da IA no país.

Segundo o requerimento apresentado pela deputada, a Comissão de Cultura exerce papel essencial na mediação entre políticas públicas e a defesa dos direitos culturais, considerando que a economia criativa representa mais de 3% do PIB brasileiro e gera milhões de empregos. 

O documento destaca que a ausência de critérios claros para o uso da inteligência artificial pode comprometer a proteção dos direitos autorais e ameaçar a sustentabilidade econômica de setores como música, audiovisual, literatura e artes visuais.

Participação de representantes do governo e do setor cultural

Entre os convidados da audiência estavam Marcos Souza, secretário de Direitos Autorais e Intelectuais do Ministério da Cultura, e Elizabeth Levy, gerente jurídica e de relações institucionais do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Ambos reforçaram a importância de estabelecer parâmetros legais que garantam o equilíbrio entre inovação tecnológica e preservação dos direitos de criadores e intérpretes.

A audiência contou também com a presença de Bia Ambrogi, presidente da Associação Brasileira de Produtoras de Som (Apro+Som); Paula Vergueiro, advogada da Associação Brasileira de Autores Roteiristas (ABRA) e da Gestão de Direitos de Autores Roteiristas (GEDAR); e Fábio Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Dubladores (Dublagem Viva/Dublar)

Cada representante abordou os riscos e as oportunidades que a IA traz para seus respectivos segmentos, especialmente no que diz respeito ao uso de vozes e obras sem autorização.

Artistas manifestam em audiência preocupação com impactos da IA

Fernanda Takai, cantora, compositora e uma das curadoras do Edital Natura Musical 25-26
Fernanda Takai, cantora, compositora e uma das curadoras do Edital Natura Musical 25|26. Foto: Divulgação

Entre os artistas convidados, participaram Fernanda Takai e Roberto Frejat, que destacaram a necessidade de transparência nas práticas de desenvolvimento e uso de ferramentas baseadas em IA, especialmente em plataformas que utilizam obras pré-existentes como base de treinamento. A cantora e compositora Fernanda Takai, parte da direção da União Brasileira de Compositores (UBC), lembrou que a inovação tecnológica precisa caminhar junto à responsabilidade ética e ao reconhecimento do trabalho humano envolvido na criação artística.

“Agora a gente também tem que ser, mais uma vez, exemplo para o resto do mundo. Continuar a ser referência de cultura, puxando o debate em tantos outros países que influenciamos. A minha esperança é esse movimento que vem acontecendo, aqui e lá fora. Hoje tivemos a notícia de que na Austrália estão discutindo obrigar a plataforma a remunerar e a ser transparente no uso das obras em seus treinamentos”.

Frejat, por sua vez, observou que o avanço da IA afeta diretamente a identidade sonora dos músicos e a originalidade das composições. Para ele, é essencial que os criadores tenham mecanismos de proteção e rastreabilidade de suas obras no ambiente digital, garantindo que os direitos autorais continuem a sustentar a cadeia produtiva da música.

Entidades pedem salvaguardas jurídicas e transparência

inteligência artificial processo, UMG

Durante a audiência, a presidente da Apro+Som, Bia Ambrogi, apontou que a IA pode ser uma aliada na produção e pós-produção sonora, desde que exista clareza sobre os limites de uso de material protegido por direitos autorais. Já Paula Vergueiro, representante da ABRA e do GEDAR, defendeu a criação de salvaguardas jurídicas específicas que impeçam a desvalorização do trabalho intelectual e assegurem que roteiristas e criadores sejam devidamente remunerados em um cenário cada vez mais automatizado.

Durante o debate, Yandra de Almeida, da União Democrática dos Artistas Digitais (Unidad), e Manno Goes, também diretor da União Brasileira de Compositores (UBC), destacaram a urgência de mecanismos de governança que assegurem transparência no uso de dados e na geração de conteúdo artificial, evitando que artistas sejam substituídos ou tenham suas identidades exploradas sem consentimento.

“É o tema mais importante hoje. Desde os tempos de Mary Shelley, com seu Frankenstein, a humanidade debate a responsabilidade sobre a criação. Hoje, os monstros não são mais feitos de pedaços de corpos humanos, mas de dados humanos: nossos textos, músicas, poesias, desenhos. Esse tema traz consequências enormes para a nossa própria existência. Estamos aqui não falando de tecnologia, mas de seres humanos, da importância de trazer para este debate a conscientização, empatia e certeza de que essa regulação que está sendo debatida vai trazer consequências enorme para nossos futuros”, disse Manno Góes.

Caminhos para uma regulação equilibrada

Para o Ministério da Cultura, representado por Marcos Souza, o desafio está em garantir que a regulação da IA acompanhe o ritmo da inovação sem negligenciar os direitos culturais e a diversidade criativa. Ele destacou que o tema está sendo acompanhado de perto pela Secretaria de Direitos Autorais e Intelectuais, que participa de grupos de trabalho interministeriais voltados à construção de políticas públicas sobre o assunto.

A deputada Denise Pessôa ressaltou, ao encerrar a audiência, que o objetivo é consolidar um diálogo plural entre Estado, setor cultural e sociedade civil. A parlamentar afirmou que a Comissão seguirá acompanhando as discussões sobre o PL 2338/2023, a fim de propor medidas que assegurem que o Brasil avance tecnologicamente sem abrir mão da proteção ao patrimônio cultural e dos trabalhadores criativos.

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