Sora: WME retira artistas de ferramenta da OpenAI em meio a críticas sobre uso indevido de imagem e direitos autorais

App Sora, da OpenAI, gera vídeos realistas a partir de texto e já acumula mais de um milhão de downloads, mas levanta questionamentos sobre deepfakes e imagens de artistas falecidos.
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Nathália Pandeló
Deepfake de Michael Jackson criado com o Sora
Deepfake de Michael Jackson criado com o Sora (Crédito: Reprodução)

O crescimento vertiginoso do Sora, novo aplicativo de inteligência artificial da OpenAI, provocou uma reação imediata no setor do entretenimento. A WME (William Morris Endeavor), uma das maiores agências de talentos do mundo, anunciou que todos os artistas de seu catálogo foram automaticamente excluídos da plataforma. A decisão marca o primeiro grande movimento institucional contra o uso não autorizado de imagem em ferramentas de geração de vídeo por IA.

O Sora permite criar vídeos de até dez segundos a partir de descrições em texto, com aparência realista e possibilidade de integração de som e movimentos. Lançado de forma restrita para usuários convidados na América do Norte, o aplicativo ultrapassou um milhão de downloads em menos de cinco dias, superando a marca inicial do próprio ChatGPT. Ainda assim, o sucesso foi acompanhado de controvérsias éticas e legais.

WME se posiciona contra o uso automático de imagem de artistas

A agência de talentos WME enviou um comunicado interno a seus representados informando que a empresa decidiu adotar a opção de exclusão (“opt-out”) do Sora. O diretor digital da companhia, Chris Jacquemin, afirmou que “os artistas devem ter o direito de escolher como querem aparecer no mundo e de que forma sua imagem é utilizada”.

O gesto teve repercussão imediata entre agentes, gravadoras e executivos do setor audiovisual, que passaram a discutir possíveis impactos para contratos e licenciamento de imagem. Como a WME representa nomes da música, cinema e televisão, sua medida foi interpretada como um alerta preventivo contra o uso indevido de rostos e vozes reconhecíveis em conteúdos criados por IA.

A escalada de críticas ao Sora

Personalidades já falecidas aparecem em vídeos feitos com Sora
Personalidades já falecidas aparecem em vídeos feitos com Sora (Crédito: Reprodução)

Desde o início de outubro, vídeos produzidos com o Sora têm inundado as redes sociais, com cenas envolvendo figuras históricas e celebridades falecidas. Alguns exemplos incluem recriações de Michael Jackson e Tupac Shakur, o que levantou debates sobre respeito à memória e consentimento.

A polêmica ganhou mais força após Zelda Williams, filha do ator Robin Williams, publicar um pedido para que usuários parassem de enviar vídeos de IA com a imagem do pai. O episódio reacendeu discussões sobre os limites éticos da tecnologia e o direito das famílias de controlar o uso de representações póstumas.

Um porta-voz da OpenAI declarou ao site Axios que há “fortes interesses de liberdade de expressão” na possibilidade de retratar figuras históricas. No entanto, reconheceu que pessoas autorizadas podem solicitar a exclusão de figuras “recentemente falecidas”, sem detalhar o que define esse período.

Em outras palavras, a empresa quis dizer que o direito à liberdade de expressão protege o uso de imagens de pessoas conhecidas em certos contextos criativos, como sátiras, paródias ou representações artísticas, desde que não configure difamação, violação de privacidade ou uso comercial indevido.

Ou seja: a OpenAI argumenta que as pessoas têm o direito de criar e compartilhar representações de figuras públicas, especialmente as de relevância histórica, porque isso faz parte do debate e da cultura. Mas esse argumento é controverso, porque entra em conflito com os direitos de imagem e autorais, principalmente quando a figura retratada é um artista vivo ou recém-falecido.

Questões legais e direitos autorais

Além da reprodução de personalidades, o Sora também tem sido usado para gerar vídeos com personagens protegidos por direitos autorais. Um dos exemplos mais comentados foi um deepfake em que o próprio CEO da OpenAI, Sam Altman, aparece ao lado de personagens de Pokémon dizendo “espero que a Nintendo não nos processe”. Em outro, Altman é retratado cozinhando e comendo o mascote Pikachu.

Apesar de a Nintendo não ter se manifestado oficialmente, casos semelhantes têm preocupado os detentores de direitos autorais e editoras musicais, que observam o avanço das ferramentas de IA sobre obras protegidas. Outras empresas de tecnologia já enfrentam disputas judiciais: a Anthropic, rival da OpenAI, pagou US$ 1,5 bilhão para encerrar uma ação coletiva movida por autores que alegaram uso indevido de suas obras no treinamento de modelos de IA.

A resposta da OpenAI

Em postagem publicada em 4 de outubro, Sam Altman afirmou que a empresa está “aprendendo rapidamente com o modo como as pessoas usam o Sora e ouvindo o feedback de usuários, detentores de direitos e outros grupos interessados”. O executivo prometeu oferecer “controle mais detalhado sobre a geração de personagens” e estuda implementar um modelo de divisão de receita com os titulares de direitos.

Altman descreveu o uso criativo da ferramenta como uma forma de “fan fiction interativa”, mas ainda não está claro se esse argumento será suficiente para evitar ações judiciais. Para o mercado da música, o ponto de maior atenção está no uso de imagem, voz e performance de artistas sem autorização, o que pode abrir um novo capítulo nas discussões sobre propriedade intelectual.

O impacto para o setor musical

Mesmo sem pronunciamentos oficiais de grandes gravadoras, o caso da WME tende a estimular reavaliações em contratos de imagem e voz. Compositores, intérpretes e herdeiros de artistas falecidos podem ser diretamente afetados pela proliferação de vídeos hiper-realistas que simulam apresentações, entrevistas ou clipes inexistentes.

A ausência de regulamentação específica para IA generativa no campo audiovisual e musical deixa um vácuo jurídico. Organizações de defesa de direitos autorais e entidades sindicais observam com atenção o desdobramento das políticas de uso do Sora, que pode se tornar um precedente para futuras negociações entre empresas de tecnologia e o setor criativo.

Enquanto o Sora segue liderando os rankings da App Store nos Estados Unidos, o debate sobre seus limites éticos e legais continua crescendo. A decisão da WME sinaliza que, mesmo diante do entusiasmo do público, artistas e gestores estão dispostos a frear a adoção de tecnologias que colocam em risco o controle sobre suas próprias identidades.

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