O duo ANAVITÓRIA surpreendeu o público ao lançar, sem aviso prévio, o álbum “claraboia”. Gravado entre fevereiro e abril, o projeto nasceu em uma casa no interior de São Paulo, transformada em estúdio por Ana Caetano e Vitória Falcão durante um período de imersão criativa. Produzido por Gabriel Duarte, Janluska e Pegê, o disco marca uma nova fase da dupla, com canções que tratam de amor, dor e amadurecimento a partir de uma estética bucólica e lo-fi, distinta da atmosfera urbana de “Esquinas” (2024). Segundo o empresário Felipe Simas, que acompanha as artistas desde o início da carreira, o trabalho reflete “a natureza orgânica e instintiva” que sempre guiou o projeto.
Com 20 faixas distribuídas ao longo de 41 minutos, “claraboia” propõe uma experiência sonora mais íntima, reflexiva e livre das convenções comerciais. O álbum de ANAVITÓRIA inclui participações de Rubel e Bruno Berle, além de experimentações de formato que vão de faixas de menos de dois minutos a vinhetas como “17/02/2023”. Entre violões, ruídos de ambiente e harmonias suaves, o disco reflete o cotidiano rural onde foi gravado, em Paranapanema, e reforça a vocação da dupla por projetos autorais concebidos de maneira artesanal.
Durante uma transmissão ao vivo no Instagram, Ana e Vitória explicaram que a ideia de lançar dois discos complementares já havia surgido durante a concepção de “Esquinas”, quando dividiram canções em dois universos: o urbano e o interiorano.
A decisão de repetir o formato de lançamento surpresa reforça o vínculo com o público e reafirma o caráter espontâneo que sempre acompanhou ANAVITÓRIA desde 2013. Agora, “claraboia” ganha também uma turnê intimista de voz e violão, com apresentações em cidades fora do circuito tradicional de grandes shows.
Para entender como essa estratégia se constrói e se sustenta dentro da indústria musical, o Mundo da Música conversou com Felipe Simas, empresário artístico responsável pelo gerenciamento de carreira de ANAVITÓRIA e fundador da agência F/SIMAS, que ultrapassa 4 bilhões de streams e soma seis prêmios Latin Grammy. A seguir, ele explica os bastidores e a lógica por trás de um lançamento que foge aos padrões do mercado.

Entrevista: Felipe Simas revela bastidores do lançamento do quinto álbum de ANAVITÓRIA, ‘claraboia’
Mundo da Música: O claraboia chegou de surpresa, sem a divulgação prévia de singles. Como foi tomada essa decisão e o que vocês buscavam ao adotar esse formato?
Felipe Simas: Já adotamos esse formato de lançamento surpresa outras vezes. Os álbuns O Tempo é Agora (2018) e Cor (2021) também chegaram ao público assim, sem a cadência previsível de campanhas prévias ou de singles. Isso tem muito a ver com a natureza do trabalho delas. ANAVITÓRIA nunca foi um projeto que seguiu à risca lógicas mercadológicas e fórmulas industriais. O processo delas é sempre muito orgânico e instintivo, e há um cuidado nosso em respeitar o tempo como as músicas nascem delas e a forma como elas vão para o mundo.
Mundo da Música: Há uma tendência crescente de artistas lançarem projetos de surpresa, mas ainda pode ser algo arriscado. Na sua visão, quais foram os elementos que garantiram que esse formato funcionasse para o caso de ANAVITÓRIA?
Felipe Simas: Os artistas têm modelos de carreira e de ciclo de obra muito únicos. Embora raramente seja nomeada, há uma distinção muito real e importante de perfis de artistas dentro da indústria fonográfica que, por mais que coexistam no ecossistema musical, cumprem funções diferentes e complementares.
Há os artistas de front (uma abreviação de “frontline”) que são aqueles focados em consumo imediato. São baseados em frequência, presença constante e impacto rápido. Eles têm por objetivo gerar picos de atenção e engajamento logo após o lançamento. Não estão associados a uma estética sonora específica, mas, muitas vezes, acontece de a produção musical ser pensada de forma estratégica, planejada e alinhada com as tendências do momento. E não há demérito algum nisso. Minha reflexão aqui é só mesmo no intuito de categorizar os diferentes perfis. Os artistas de front tendem a viver na lógica da substituição: um lançamento apaga o anterior. Como consequência, suas músicas costumam ser mais perecíveis e efêmeras.
Já os artistas de catálogo jogam um jogo diferente. As músicas não precisam explodir no lançamento porque a expectativa é que elas tenham vida longa e curva de crescimento mais lenta e constante. O foco é em obras duradouras, sujeitas a descobertas contínuas ao longo do tempo e em contextos diferentes do lançamento. São menos dependentes de tendências passageiras pois têm musculatura para que sigam relevantes por anos.
As obras das ANAVITÓRIA transcendem a lógica de hypes. São artistas cujas canções seguem uma clara identidade autoral, de densidade emocional e poética. Mesmo seus novos lançamentos já nascem com vocação de catálogo, porque o valor está no tempo e não no estouro imediato.

Mundo da Música: O álbum anterior das ANAVITÓRIA, Esquinas, trazia um universo mais urbano, enquanto claraboia mergulha em uma atmosfera bucólica. Como essa mudança influenciou as escolhas de lançamento e divulgação?
Felipe Simas: O intervalo entre os álbuns Cor (2021) e Esquinas (2024) foi o mais longo da trajetória delas: três anos e dez meses separaram um lançamento do outro. E o Esquinas chegou ao mundo seguindo uma cartilha mais próxima do que é previsível e esperado em lançamentos fonográficos (anúncio de data, teaser de divulgação, planejamento estratégico de mídia, incluindo OOH).
E, agora, menos de um ano depois do lançamento do Esquinas e poucos dias antes do início da ‘Turnê das Esquinas’ (a chamada Era AV4), lançamos de surpresa claraboia, o AV5. Se você procurar lógica nisso tudo, talvez não encontre mesmo. Estamos, pela primeira vez, vivendo duas eras em paralelo, com duas turnês distintas anunciadas antes mesmo da estreia da primeira delas.
Mas mesmo sem uma lógica aparente, há sentido por trás disso. Esquinas e claraboia são discos diferentes, mas profundamente complementares. Um super produzido, o outro mais cru. E essa dualidade vai se refletir também nas suas respectivas turnês: uma é grandiosa e detalhada, a outra intimista e despojada.
Os shows do claraboia vão chegar a cidades por onde a ‘Turnê das Esquinas’ não vai conseguir passar. Os fãs de Maceió, por exemplo, num primeiro momento ficaram frustrados com a ausência da capital de Alagoas no roteiro de shows do Esquinas, mas tão logo anunciamos a ‘turnê claraboia’ por lá, esgotaram rapidamente os ingressos do Teatro Gustavo Leite. E esse show terá ainda um sabor de exclusividade, já que a ‘turnê claraboia’ não deve passar pelos maiores centros urbanos, como Rio, São Paulo e Belo Horizonte.

Mundo da Música: A escolha de lançar um álbum com 20 faixas chama a atenção, especialmente em um mercado acostumado a projetos mais curtos e voltados para playlists. Quais fatores pesaram nessa decisão?
Felipe Simas: Na verdade, não foi uma decisão estratégica. Foi mais uma consequência natural de escolhas artísticas delas que acabaram levando naturalmente a esse formato. O processo criativo delas é livre e desgarrado de estratégias mercadológicas. Isso pode soar como narrativa clichê, mas, acredite, é real.
Mundo da Música: Pensando em longo prazo, quais aprendizados dessa estratégia vocês levam para próximos lançamentos da dupla?
Felipe Simas: Falar de futuro é sempre um exercício de ficção. Com o mundo se transformando tão rapidamente, qualquer plano a longo prazo soa frágil. A ideia é simplesmente continuar caminhando e observando a cada passo se a estrada ainda é a mesma. O que me parece possível é que, mesmo num mundo guiado por algoritmos e inteligência artificial, sempre haverá espaço para o que é orgânico, real e espontâneo. E, talvez, exatamente por isso ser raro, se torne mais precioso.
Mundo da Música: Como foi o processo de articulação com plataformas de streaming e parceiros de mídia para que o lançamento sem aviso prévio tivesse visibilidade?
Felipe Simas: Tanto o time da Virgin, nossa distribuidora, liderado pela Cris Falcão e pela Sabrine Cruz, quanto o da Access Mídia, nossa assessoria de imprensa, comandado pela Mariana Madjarof e suas fiéis escudeiras Helo Garcia e Letícia Pazero, já estão acostumados com as nossas loucuras e o nosso jeitinho (risos). Eles entendem que aqui nem sempre se aplicam as lógicas previsíveis do mercado. E essa sintonia é fundamental. Quando todos estão alinhados com essa natureza mais orgânica e intuitiva do trabalho, conseguimos articular estratégias que potencializam o alcance mesmo em lançamentos que fogem do roteiro tradicional.
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