Banco criado por músicos busca dar mais estabilidade financeira a artistas

O banco digital Tune.Bank oferece adiantamento de royalties e transparência nos repasses para reduzir a instabilidade dos ganhos musicais.
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Nathália Pandeló
Vittorio Brun, CEO da TuneTraders, e Carlos Gayotto, músico, diretor e apresentador, é sócio co-fundador da TuneTraders, responsável pela estratégia e desenvolvimento de produtos da empresa, banco
Vittorio Brun, CEO da TuneTraders (Foto: Divulgação/Tune.Traders/Tune.Bank), e Carlos Gayotto, músico, diretor e apresentador, é sócio co-fundador da TuneTraders, responsável pela estratégia e desenvolvimento de produtos da empresa (Foto: Divulgação/Fernando Clauzet/Zoe Films)

Enquanto o mercado fonográfico brasileiro segue em crescimento, uma parcela expressiva de artistas se mantém com uma renda insuficiente. Diante desse cenário de instabilidade, iniciativas como a criação de um banco voltado exclusivamente para músicos começam a surgir como alternativa para lidar com a imprevisibilidade dos pagamentos e garantir maior previsibilidade de caixa.

Segundo relatório anual da Pro-Música Brasil (Produtores Fonográficos Associados), divulgado em agosto deste ano, o setor faturou R$ 3,486 bilhões em 2024, uma alta de 21,7% em relação ao ano anterior, sendo o streaming responsável por 87,6% desta receita (cerca de R$ 3,055 bilhões). Porém, a maior parte dos artistas continua a receber centavos por cada música executada e, muitas vezes, só vê esse dinheiro meses depois.

Relatórios do Spotify apontam que, em 2024, apenas 1.500 artistas no mundo superaram a marca de US$ 1 milhão em royalties na plataforma. No Brasil, a maioria lida com ganhos modestos, muitas vezes inferiores a R$ 1.000 por ano, valor insuficiente para sustentar uma carreira. 

Para complicar, a mais política de pagamentos da empresa determina que apenas faixas que alcancem mil streams em 12 meses são elegíveis a receber, o que retira de circulação valores pulverizados que antes chegavam a pequenos criadores.

A realidade do caixa curto

É nesse cenário que surge o Tune.Bank, projeto da startup TuneTraders, em parceria com o músico e apresentador Carlos Gayotto. A iniciativa nasceu a partir de pesquisas na Berklee College of Music em colaboração com o MIT, e tem como proposta central o adiantamento de royalties. 

O funcionamento é simples: em vez de esperar meses até que as plataformas façam os repasses, o artista pode antecipar parte dessa receita e ter capital imediato para investir em sua carreira.De acordo com o CEO Vittorio Brun, a ideia é resolver um gargalo estrutural: 

“Globalmente, quase 1500 artistas geraram mais de US$ 1 milhão em direitos autorais no Spotify em 2024, um número que, embora crescente no Brasil, representa uma faixa minúscula dessa categoria. Existe uma ampla gama de artistas que depende da remuneração que provém dos streamings. E, independentemente do montante, obviamente essa receita é crucial. Porém, ela demora a chegar ou, às vezes, o artista não sabe exatamente quando vai receber. Como esse artista, seja ele músico, cantor ou compositor, consegue ter estabilidade e paz pra poder criar? É um desafio enorme”.

O executivo reforça que a falta de previsibilidade financeira impede avanços: 

“Detectamos que em muitos casos, por não ter caixa, o artista adia planos de carreira, planos de lançar uma música nova, um clipe, alugar um estúdio pra ensaiar. Muita gente talentosíssima acaba ficando pra trás porque não consegue seguir com a sua vocação, não consegue focar na sua arte”.

Transparência como proposta do novo banco

Logo Tune Bank, banco da Tune Traders

O modelo apresentado pelo Tune.Bank busca oferecer clareza no repasse e menos burocracia em comparação com bancos tradicionais. 

“Basicamente, o que estamos falando aqui é sobre previsibilidade de caixa, previsibilidade financeira. Criamos o Tune.Bank para que os artistas tenham acesso a uma estrutura que coloca suas necessidades no centro: transparência total, agilidade nos repasses e mais autonomia sobre os próprios ganhos. A ideia é oferecer um espaço financeiro sem a burocracia de outras instituições, desenhado sob medida para o universo criativo, permitindo que o artista invista em novos projetos, organize seu fluxo de caixa e dê continuidade à sua carreira com menos obstáculos”, diz Brun.

A iniciativa do banco vem em um momento em que muitos músicos ainda enfrentam as consequências da pandemia. Segundo pesquisas da UNESCO e da UNCTAD, cerca de 42% dos artistas brasileiros perderam completamente sua renda em 2020, revelando a fragilidade estrutural do setor. 

Com a retomada, os ganhos voltaram a crescer, mas a dependência quase exclusiva do streaming deixou criadores ainda mais vulneráveis a políticas de remuneração centralizadas.

Ecos de uma trajetória recente

O Tune.Bank não surge isolado. Ele se conecta a outras soluções lançadas pela TuneTraders nos últimos anos, como a campanha de crowdfunding que viabilizou o lançamento de uma música inédita de Zeca Baleiro em 2021, posteriormente replicada por artistas como Tiê e Anavitória

Em 2024, a distribuidora Tune.Distro foi apresentada como opção para músicos independentes lançarem suas faixas com mais autonomia. Além disso, a empresa investiu em ferramentas tecnológicas como o detector de músicas geradas por inteligência artificial e a biometria vocal para proteção de obras.

Essas iniciativas apontam para um esforço maior: construir um ecossistema em que artistas possam planejar suas carreiras sem depender apenas de pagamentos fragmentados. O lançamento do banco digital funciona como uma extensão natural desse movimento.

O desafio do dinheiro na música

Para além do entusiasmo de quem cria a iniciativa, especialistas do setor reconhecem que a falta de acesso a crédito, planejamento financeiro e repasses regulares é uma das maiores barreiras para artistas brasileiros. Uma pesquisa da UBC (União Brasileira de Compositores) divulgada em 2023 já mostrava que 60% dos compositores no país recebiam menos de R$ 500 por trimestre em direitos autorais.

A questão financeira, portanto, não é apenas sobre ganhos baixos, mas sobre previsibilidade. Sem ela, o artista adia gravações, shows e investimentos na própria carreira, o que limita também a diversidade cultural e a renovação do mercado. O Tune.Bank se apresenta como um passo nessa direção, mas a sustentabilidade da proposta dependerá de adesão e da capacidade de equilibrar o risco do adiantamento com a realidade da arrecadação.

O banco já está em funcionamento e recebe cadastros de artistas interessados. O palco, neste caso, é o sistema financeiro: um espaço no qual músicos buscam conquistar a mesma autonomia que perseguem no campo criativo.

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