As medidas anunciadas pelo Spotify para enfrentar deepfakes, fraudes de royalties e a falta de transparência no uso da inteligência artificial abriram espaço para reações imediatas na indústria musical. Uma das primeiras a se manifestar foi a Deezer, que em nota enviada ao Mundo da Música ressaltou que já vinha trilhando esse caminho desde o fim de 2024.
“A Deezer fica feliz em ver que a indústria está seguindo na direção da transparência no uso de IA na música, que iniciamos em dezembro de 2024. A transparência beneficia tanto artistas quanto usuários, e combater fraudes é essencial para proteger os direitos de artistas e criadores”, afirmou a empresa.
Spotify e o pacote de medidas
O Spotify anunciou ontem (25) três frentes principais para lidar com o crescimento acelerado da música feita por IA: uma política mais rígida contra imitação vocal não autorizada, um filtro para bloquear uploads de spam e a adoção de um padrão global de créditos desenvolvido pelo DDEX, que permitirá identificar se a IA foi usada em vocais, instrumentação ou pós-produção.
A decisão foi detalhada em um press briefing com participação do Mundo da Música, no qual os executivos Charlie Hellman, VP e Global Head of Music Vertical, e Sam Duboff, Global Head of Marketing & Policy no Spotify for Artists, explicaram as novidades.
Questionado pela nossa redação sobre quantas músicas totalmente feitas por IA chegam diariamente à plataforma, Duboff evitou revelar números específicos, limitando-se a afirmar que o problema já é significativo e precisa de medidas contínuas.
Deezer reforça pioneirismo
Ao comentar o movimento, a Deezer destacou que decidiu ir além do cumprimento dos padrões da indústria, adotando transparência total para músicas 100% geradas por IA. Em janeiro de 2025, lançou uma ferramenta própria de detecção, com patente pendente, e em junho passou a marcar com tags os álbuns que incluem faixas totalmente criadas por IA.
Além da sinalização, a empresa optou por retirar esse tipo de conteúdo das recomendações algorítmicas e das playlists editoriais. O CEO Alexis Lanternier já havia explicado as motivações em entrevista anterior:
“Nosso enfoque é simples: removemos o conteúdo totalmente gerado por IA das recomendações algorítmicas e não o incluímos em playlists editoriais”. A ideia é reduzir os impactos sobre o pool de royalties e oferecer uma experiência transparente para os usuários.

Deezer reporta crescimento acelerado dos envios
Os números reforçam a dimensão do problema. A Deezer revelou recentemente que 28% dos novos uploads diários à sua plataforma já são faixas integralmente geradas por IA, o que equivale a mais de 30 mil músicas por dia. O salto foi expressivo em poucos meses: 10% em janeiro, 18% em abril e agora quase um terço em setembro.
Apesar desse volume, a audiência é mínima. Apenas 0,5% de todas as execuções vêm desse tipo de música e, dentro desse recorte, até 70% são consideradas fraudulentas, geralmente geradas por bots. Ou seja, apenas 0,35% dos streams são de ouvintes humanos. O dado mostra que, embora os uploads aumentem, o engajamento real ainda é mínimo e marcado por tentativas de manipular sistemas de pagamento.
Histórico de combate a fraudes
A nota enviada ao Mundo da Música também lembra que a Deezer já atua há anos contra práticas fraudulentas. Em 2023, a empresa removeu mais de 26 milhões de faixas classificadas como “inúteis” e implementou, em parceria com o Universal Music Group, o modelo de pagamento centrado no artista. A personificação de músicos, como tentativa de se passar por artistas conhecidos, também já é proibida na plataforma.
Esse histórico conecta-se ao debate internacional sobre os riscos da chamada “AI slop”, expressão usada para descrever a enxurrada de conteúdos automatizados e sem curadoria. Um estudo da CISAC em parceria com a consultoria PMP Strategy, do qual a Deezer participou, projeta que até 25% das receitas de criadores podem estar em risco até 2028, o que equivaleria a cerca de 4 bilhões de euros em perdas globais.
Disputa por confiança no streaming
Enquanto o Spotify adota medidas próprias para enfrentar spam, deepfakes e falta de transparência, a Deezer enfatiza seu pioneirismo e busca se posicionar como referência no setor. Para artistas, selos e distribuidores, a tendência é que a padronização da informação e o combate a fraudes se tornem práticas comuns. Isso, por sua vez, coloca a pressão sobre outras plataformas a adotar critérios semelhantes.
Para os ouvintes, a disputa se traduz em confiança: ter clareza sobre o que é criação humana e o que é conteúdo automatizado, e saber que práticas fraudulentas não terão espaço nas recomendações. Mais do que uma corrida tecnológica, o cenário mostra que a próxima etapa do streaming passa pela credibilidade das plataformas e pela proteção dos profissionais da música.
Leia mais:
- 6 soluções de acessibilidade que artistas e eventos já estão aplicando na música
- Exclusivo: Oriente assina contrato de gestão de carreira com a Na Moral Produções
- Global Citizen Festival 2025 terá shows de ROSÉ, Shakira, Cardi B e mais; saiba como assistir
- Banco criado por músicos busca dar mais estabilidade financeira a artistas
- ‘Combater fraudes é essencial’, diz Deezer ao comentar atualizações do Spotify sobre a IA