Quando um compositor, um artista, um produtor musical, músico, escrevem pra mim que não existe diferença entre o que o ser humano e a máquina fazem, que é “pegar as influências e colocar numa música”, eu tenho a plena certeza de que, ou essa pessoa está dizendo isso pra mim sem refletir muito a respeito (e pra mim tudo bem nesse caso, porque eu estou na internet pra isso mesmo, pra trocar uma ideia a respeito), ou essa pessoa é uma aventureira que não cria nada e está na música para tumultuar o mercado, com esse argumento pífio que todas as bigtech usam.
Quando eu leio isso vindo de alguém que quer trabalhar no mercado criativo, eu paro por um instante e penso: “ele realmente está dizendo que uma máquina é capaz de fazer o que o ser humano faz?” Não é possível.
Existe uma diferença enorme sobre o que é inspiração humana e o que é conteúdo gerado por inteligência artificial e antes de dar opinar sobre isso, quero deixar claro que eu não sou contra o uso das IAs. A minha crítica é àqueles que “roubam” no jogo, os que enganam as pessoas dizendo que “compuseram” uma música, quando não compuseram nada. Um compositor compõe uma música. Quem usa inteligência artificial pra compor não compõe. “Ah, mas eu fiz a letra”…. mas não fez a música.
Eu sei que essa é uma realidade sem volta e ninguém vai impedir o avanço dessas ferramentas, até porque comprovadamente as gravadoras e editoras já entraram pro jogo. A Merlin, maior selo independente do mundo, e a Kobalt, maior editora independente do mundo, já licenciaram seus catálogos pra Eleven Labs, uma empresa que cria vozes e músicas por inteligência artificial. Sabe aquele futuro que todos esperavam que viesse primeiramente das majors?
Aqui nesse caso da Eleven Labs, está acontecendo de forma remunerada, como estamos pedindo da Suno. Porque o que a Suno faz é incrível! Mas é ilegal. E principalmente quem vive de música deveria entender isso. Se tudo isso estivesse acontecendo da forma correta, acredito que ainda haveria a questão moral de fazer ou não fazer uma música numa plataforma dessas, mas as críticas seriam menores. Essas empresas começaram usando músicas sem pagar os autores, criando negócios bilionários e eu já entendi que quem não faz música realmente não vai entender isso.

E eu estou aqui fazendo uma defesa dos criadores de verdade. Dos seres humanos porque… não é o que todo mundo deveria fazer? Ou todo mundo ficou maluco da noite pro dia? E quando você compara o que um máquina faz ao que um humano faz… isso é no mínimo uma desonestidade. É reduzir demais a sua própria natureza.
Quando um compositor se inspira em uma música da Marisa Monte ou da Marília Mendonça, ele está ouvindo, absorvendo, reinterpretando e criando algo novo com base em vivências, referências e suas próprias escolhas pessoais. É um processo totalmente subjetivo, que passa por filtro pessoal que envolve limitações técnicas e até erros humanos… e isso é o que faz uma música ser maravilhosamente única e totalmente pessoal. Isso é o que um ser humano faz.
A inteligência artificial generativa não “se inspira” em nada! Porque inspirar-se é despertar a criatividade, as emoções e a máquina não tem nada disso, não seja irresponsável com uma afirmação dessa. A máquina não usa referências, como muitos de vocês têm dito em comentários pelas redes sociais, aqui está um grande erro de entendimento ou inocentemente você não sabe disso mesmo.
A IA vai processar dados concretos, que incluem composições e gravações protegidas. E ela vai gerar algo novo baseado em estatística, em matemática, ela não vai criar nada. Aqui não existe um filtro subjetivo, não existe vivência, não existe suor, não existem frustrações, desilusões amorosas, o que a máquina faz é apenas uma combinação matemática de padrões que vem de obras já existentes. Me responda agora: é isso o que você acha que faz um compositor quando senta pra compor? Sinceramente, é com esse entendimento que você vai atuar aqui no nosso meio, reduzindo o trabalho do autor dessa maneira?
Essas combinações que a IA faz podem conter trechos exatos de fonogramas e obras preexistentes, o que um ser humano só faria se copiasse intencionalmente uma música, e aí não estaríamos falando de “inspiração”, mas de exploração indevida de obra ou fonograma pré-existente. NÃO é a mesma coisa.
A inspiração humana é um processo criativo legítimo, reconhecido pelo direito autoral como resultado de um processo criativo humano. A “inspiração” da IA, as “referências” da IA são matemáticas. Quem se coloca na mesma régua de uma máquina, não é compositor, não é músico, não é artista. É muito triste ver pessoas que preferem fazer músicas com uma máquina ao invés de dedicar tempo a cultivar relações humanas. Porque isso aqui é o real processo: sair do isolamento social, fazer amigos, abrir mão de vaidades, abrir mão da sua ideia pela ideia do colega, reconhecer que a guia que o guieiro fez muitas vezes consertou a sua música, ouvir os outros, discutir um tema… se divertir.
O meu conteúdo já está sendo usado sem minha autorização pra treinar as máquinas em algum lugar, máquinas que vão ensinar sobre direito autoral, máquinas que vão me substituir. Eu estou feliz com isso? É claro que não. Mas eu ainda não sei o que fazer em relação a isso. E eu penso mais em como resolver o problema dos autores do que o meu problema. E, pensando bem… isso é o tipo de coisa que só um ser humano faria mesmo.
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Bruna Campos
Bruna Campos é artista, bacharel em direito e jornalista. Proprietária da Rede Pura Editora e representante da UBC, atua paralelamente como influenciadora musical e oferece consultoria personalizada para compositores, artistas, músicos e empresas do ramo.
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