Novos dados do Ibope confirmam que vídeo é ferramenta de maior impacto no Brasil; especialistas apontam caminhos no mercado da música

Vídeo chega a 99% dos brasileiros e se fragmenta entre YouTube, redes sociais e streaming.
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Nathália Pandeló
Marcela Maia, Rubel e Rômulo Menescal - vídeo
Marcela Maia, Rubel e Rômulo Menescal (Crédito: Divulgação)

Com a presença cada vez mais dominante do vídeo na rotina digital dos brasileiros, o formato se consolidou como peça central nas estratégias de comunicação de artistas e gravadoras. Um novo levantamento da Kantar IBOPE Media comprova isso: os dados do Data Stories mostra que 99,5% da população foi impactada por vídeos em um ano. O alcance massivo, combinado à fragmentação entre plataformas, desafia os profissionais da música a pensar o vídeo para múltiplos formatos e dispositivos.

O videoclipe tradicional, que já teve seu auge na MTV e se tornou pilar do YouTube, hoje divide espaço com Reels, Shorts, TikTok, Canvas no Spotify, bastidores, visualizers e transmissões ao vivo. Mais do que uma peça isolada, o vídeo passou a ser parte de uma engrenagem narrativa e promocional como nunca antes. A questão já não é se vale a pena investir em vídeo, mas como usá-lo de forma estratégica em cada etapa do lançamento.

A convergência entre formatos e plataformas

Marcela Maia, head de Marketing da Biscoito Fino vídeo
Marcela Maia, head de Marketing da Biscoito Fino (Crédito: Divulgação)

A head de marketing da Biscoito Fino, Marcela Maia, aponta que a ausência de materiais audiovisuais é hoje uma das maiores fragilidades de um lançamento. Segundo ela, o clipe ainda é uma ferramenta relevante de posicionamento artístico, mas precisa ser articulado com outros formatos. A gravadora combina clipes com conteúdos pensados para redes sociais, Spotify Clips, Canvas e ações com influenciadores.

“O clipe é uma performance, o corpo da canção. Ele tem uma função narrativa, estética e emocional. Através da imagem, conseguimos manter um elo entre a identidade e a coerência do projeto artístico”, explica Marcela.

Antes disso, é preciso preparar a audiência com conteúdos menores e recorrentes. Na prática, isso se traduz em convergência de linguagens, formatos e canais.

“O que muda frequentemente é o posicionamento dele dentro das tendências e estratégias de distribuição”, complementa.

O estudo do IBOPE mostra que o vídeo se tornou o formato mais difundido entre os brasileiros. O tempo médio de consumo por dia em TVs conectadas é de 5h38, e 60% dos lares já contam com esse tipo de dispositivo. A audiência é distribuída entre smartphone, desktop e tablet, o que exige atenção a características técnicas e narrativas adaptáveis.

O videoclipe como peça central da narrativa

Rômulo Menescal - vídeo
Rômulo Menescal (Crédito: Divulgação)

Para o diretor Rômulo Menescal, da Lord Bull Filmes, que já assinou vídeos com artistas como Anitta, Kevin O Chris, Luísa Sonza e Thiaguinho, o videoclipe segue como a principal ferramenta para mostrar a essência do artista. 

“Sim, vale a pena o investimento. O videoclipe é a principal ferramenta para mostrar a essência do artista, como ele performa em relação à faixa ou álbum que foi produzido. Através do clipe, o artista constrói sua marca e dita toda a referência visual que será trabalhada em todas as plataformas”, resume.

A lógica, segundo ele, é pensar no clipe como peça principal e depois desdobrar seu conteúdo para outros formatos: making of, bastidores, trechos coreográficos ou impactantes. 

“Os vídeos curtos e rápidos também têm que fazer parte da estratégia de lançamento e assim gerar mais engajamento ao projeto”, completa Rômulo.

Essa visão também é compartilhada por Rubel, cantor com formação em cinema. Ele dirigiu seus primeiros clipes e segue buscando formas de unir música e imagem. Em seu álbum mais recente, “Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?”, criou um curta-metragem de sete minutos em 35mm, dirigido por Lari Zaidan, como obra visual principal. 

“Essa é a obra visual chave”, explica Rubel. “Depois desdobramos algumas cenas para visualizers mais por necessidade do que por vontade.”

A motivação maior, diz ele, é artística: 

“Vou passar a vida toda tentando juntar música e cinema, ou realmente criando projetos paralelos nesse formato para a TV ou a tela grande, um dia, quem sabe.”

Para Marcela, o vídeo também tem valor documental e afetivo. A Biscoito Fino soma mais de 1,2 milhão de inscritos no YouTube e 700 milhões de views. Além dos clipes, o canal abriga shows completos, playlists temáticas, lives e registros de bastidores. 

“Registramos sessões e bastidores de gravação não apenas como material promocional, mas também como forma de preservar a história de cada fonograma e manter o público próximo do estúdio”, destaca.

Os formatos que mais têm gerado engajamento, segundo ela, são os shorts, transmissões e depoimentos. A gravadora ainda adapta a programação à realidade da CTV (aparelhos com acesso à internet), cuidando de detalhes como qualidade de imagem e telas finais.

Estratégias para artistas com verba limitada

Rubel (Crédito: Bruna Sussekind) - vídeo
Rubel (Crédito: Bruna Sussekind)

A diversidade de formatos abre caminhos para artistas em início de carreira ou com orçamento restrito. Rômulo Menescal observa que um clipe bem produzido não depende de uma superprodução, mas de um bom conceito. 

“Nós, como produtores, e o artista temos que estar antenados ao momento e ter boas referências”, diz ele.

Rubel vai além e defende a importância da decupagem: o planejamento detalhado de cada plano antes da filmagem. 

“Acho que o principal conselho é investir em decupagem – que é a escolha de cada plano, anterior ao dia da filmagem”, diz. “A decupagem é de graça – só precisa de um papel para esboçar os planos, ou desenhar um storyboard. Uma decupagem incrível é muitas vezes o que dá a sensação de riqueza na linguagem cinematográfica, às vezes mais até do que uma direção de fotografia bonita ou um set caríssimo.”

Segundo Rubel, é possível fazer um set potente com apenas duas pessoas, desde que haja clareza na construção da narrativa visual. 

“Essa dança entre um plano aberto, um plano fechado, um close na coisa certa, esse tipo de construção é onde reside o coração do ofício do diretor, e onde reside a gramática cinematográfica.”

Marcela recomenda que artistas em fase de construção de público invistam em live sessions, bastidores e outros conteúdos que funcionem como um “encarte audiovisual” do projeto. Esses materiais podem ser usados tanto no pré-lançamento quanto na sustentação da campanha.

“Nossa atenção hoje está fragmentada e disputada, então presença e consistência contam mais do que superproduções. Antes, os clipes mais produzidos ganhavam espaço nas mídias tradicionais. Hoje, é a presença e o engajamento que definem o alcance de um projeto”, avalia. 

Audiência pulverizada, presença obrigatória

YouTube na tela de um celular
(Crédito: Free Stocks)

O levantamento da Kantar IBOPE Media mostra que o consumo de vídeo é massivo, mas ao mesmo tempo fragmentado. Praticamente todos os brasileiros são impactados por vídeos ao longo do ano. Os dados entregam que 24,6% assistem vídeos acompanhados, com destaque para crianças entre 4 e 11 anos, onde o índice chega a 37,8%.

A boa notícia para artistas é que 53% dos usuários de plataformas de vídeo sob demanda (VOD) aceitam publicidade, e 39% assistem aos anúncios até o fim. Isso reforça que o vídeo não cumpre uma função meramente artística, como também pode ser uma fonte de receita e engajamento direto, especialmente em canais como o YouTube.

Uma das poucas constâncias no mercado musical é a mudança. Ainda assim, o vídeo se reafirma como ferramenta essencial para artistas de todos os portes. Mais do que clipes, ele se desdobra em narrativas, documentos e peças de identidade visual. Cabe a cada artista entender seu público, sua linguagem e seus objetivos para criar uma presença audiovisual coerente, potente e adaptada aos novos tempos.

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