Com artistas solo em alta, bandas enfrentam apagão nas paradas globais

No topo dos rankings e playlists, só dá artista solo e quase nada de bandas — e isso revela muito sobre como o mercado da música funciona hoje.
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Nathália Pandeló
Topo do Spotify tem apenas uma banda (Crédito: Reprodução)
Topo do Spotify tem apenas uma banda (Crédito: Reprodução)

Durante décadas, as bandas foram o centro da cultura pop e do rock mundial. The Beatles, Nirvana, Queen, Pearl Jam e Oasis são apenas alguns dos grupos que dominaram as paradas e marcaram gerações. Mas esse protagonismo vem desaparecendo. Nos últimos cinco anos, as bandas ficaram apenas três semanas no topo das paradas britânicas — número que contrasta com as 146 semanas nos anos 1980 e 141 semanas nos anos 1990.

Esse declínio não é apenas simbólico, e muito menos concentrado apenas no Reino Unido, historicamente um território fértil para grupos musicais. É reflexo de uma transformação na indústria, com impactos diretos em como artistas são descobertos, promovidos e sustentados comercialmente. Hoje, quem trabalha no setor precisa lidar com uma realidade em que projetos coletivos enfrentam cada vez mais obstáculos para alcançar o sucesso comercial.

O fenômeno foi se delineando ao longo dos últimos anos. Bandas de rock e pop rock foram, por décadas, as formações coletivas mais comuns e visíveis da indústria fonográfica. No entanto, com a queda desses gêneros no gosto popular, especialmente entre as novas gerações, seu espaço no mainstream também encolheu. Hoje, os estilos que dominam as paradas — como o pop, o hip hop e os ritmos urbanos — já são historicamente centrados em artistas solo, o que reforça ainda mais esse padrão. Enquanto o rock coletivo se distancia do topo das playlists e charts, o mercado se molda cada vez mais a formatos individuais, onde performance, agilidade e branding pessoal pesam mais que a dinâmica de grupo.

Bandas novas quase não aparecem nas plataformas

A constatação se repete no mundo digital. Um levantamento com base nos dados do Spotify mostra que, entre os 400 artistas mais ouvidos do mundo, apenas três bandas foram formadas nos últimos dez anos: Grupo Frontera (2022), Måneskin (2017) e Richie Mitch & The Coal Miners (2017). Isso representa menos de 1% da lista.

Enquanto isso, nomes como Billie Eilish, Taylor Swift, The Weeknd, Olivia Rodrigo e Bruno Mars acumulam centenas de milhões de ouvintes mensais. Além de concentrarem atenção nas plataformas de streaming, são também os principais rostos em campanhas publicitárias, trilhas sonoras e premiações.

Bruno Mars

Isso fica claro ao visitar os charts semanais do Spotify. No top 10 do Spotify Brasil na semana de 5 de junho, há um forte domínio de artistas solo — como MC Ryan SP, Mc IG, Mc Negão Original e Simone Mendes — o que se alinha com a tendência global. Entre os 10 mais ouvidos no país, apenas uma banda aparece (Grupo Menos É Mais) e duas duplas sertanejas (Henrique & Juliano e Jorge & Mateus), que embora sejam formações coletivas, ainda operam de forma mais enxuta e centrada em figuras individuais do que bandas tradicionais.

Comparando com o ranking global da mesma semana, essa concentração de artistas solo também é evidente: Taylor Swift, Bad Bunny, The Weeknd, Drake, Billie Eilish e outros ocupam posições de destaque, com apenas uma banda — Fuerza Regida — presente no top 10. O Brasil segue o padrão internacional ao privilegiar vozes individuais, mas se diferencia por manter espaço relevante para duplas sertanejas, um formato pouco comum fora do mercado latino-americano. Já as bandas, nos dois casos, seguem como exceção.

Estudo revela a queda das bandas no topo das paradas

Dados recentes ajudam a mapear com precisão o declínio das bandas no cenário atual. Entre outubro de 1980 e outubro de 2024, foram registradas 223.030 faixas nas paradas do Reino Unido. Dessas, 37% pertenciam a bandas, 20% eram colaborações e 43% eram de artistas solo. Quando ajustamos a amostra para 37.941 músicas (considerando apenas entradas únicas, sem múltiplas semanas no ranking), o percentual de bandas sobe para 44%, enquanto os solos representam 40% e as colaborações, 16%. Ainda que as bandas ainda tenham relevância histórica, essa proporção demonstra como os projetos solo ganharam terreno — especialmente se somarmos que essa queda foi acelerada nas últimas décadas.

A disparidade fica evidente ao comparar décadas: nas cinco primeiras semanas das paradas britânicas de 1980 e 1990, as bandas ocuparam o 1º lugar por 146 e 141 semanas, respectivamente. Já entre 2020 e 2024, esse número despencou para apenas três semanas no topo. Em 2024, já dominado pela lógica do streaming, pouco da nova música reflete presença de bandas, com foco nos artistas solo. O impacto dessa mudança foi consolidado a partir de 2014, quando o Spotify passou a influenciar os charts britânicos, elevando o protagonismo de nomes individuais e colaborações em detrimento dos grupos.

Tecnologia, custo e logística favorecem os artistas solo

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Um dos principais motivos para esse novo cenário é a facilidade que artistas solo têm para produzir conteúdo de forma independente. Com um laptop, um microfone e um software de gravação, já é possível fazer músicas com qualidade profissional. Isso reduz custos e torna o processo criativo mais rápido — algo muito valorizado em um mercado movido pela urgência dos algoritmos.

Já as bandas, por definição, são coletivas. Dependem de reuniões, ensaios, decisões compartilhadas e, muitas vezes, enfrentam conflitos internos. Manter uma banda exige mais tempo, dinheiro e negociação. Tudo isso se torna um desafio extra quando o mercado prefere agilidade, controle e eficiência.

Outro ponto decisivo é o marketing. Para gravadoras e selos, é muito mais simples promover um artista solo: construir uma imagem forte, com estilo, narrativa e personalidade bem definidos, se torna uma tarefa mais direta. Já com bandas, é necessário harmonizar diferentes perfis, visões e vozes — algo mais difícil de vender e de manter coeso.

Redes sociais aceleraram essa virada

Plataformas como TikTok e Instagram consolidaram ainda mais o domínio dos artistas solo. Vídeos virais geralmente mostram cantores em performances intimistas, bastidores da vida pessoal ou processos criativos individuais. Essa linguagem favorece o artista que se apresenta como figura única, com carisma próprio — algo mais difícil de reproduzir em grupo.

Muitos dos novos artistas que surgem nessas redes chegam ao mercado com um público já formado. Com milhões de visualizações e seguidores, conseguem contratos com gravadoras, ingressam em playlists e iniciam turnês com estrutura enxuta e alta demanda. 

Um exemplo recente é o cantor Jake, que conquistou mais de 20 milhões de ouvintes mensais e ultrapassou a marca de um bilhão de streams com músicas que viralizaram no TikTok — tudo isso sem banda.

Bandas resistem nos nichos, mas com menos visibilidade

Usuário acessando o aplicativo TikTok em um smartphone, destacando a interface do app com a logo do TikTok. O cenário apresenta um ambiente confortável e aconchegante. Estudo da Luminate avalia o impacto do app.

Apesar de todas essas mudanças, as bandas não desapareceram por completo. No circuito independente, estilos como punk, hardcore, post-rock e experimental ainda mantêm uma base fiel. Grupos seguem fazendo turnês, lançando discos e conectando-se com o público, mesmo fora dos holofotes do mainstream.

O problema é que, nesse novo cenário, a distância entre o sucesso comercial e o reconhecimento artístico aumentou. Ser banda exige mais esforço para menos visibilidade — o que acaba afastando novos talentos dessa formação. Quem trabalha com música precisa entender essas barreiras e encontrar formas de torná-las viáveis, seja por meio de novos modelos de negócio, parcerias com marcas ou estratégias de distribuição alternativa.

Um retrato da nova lógica da música

O sumiço das bandas das grandes paradas é um sinal claro de que o modelo tradicional está em desvantagem na nova lógica do mercado musical. A tendência é que artistas com projetos individuais sigam dominando as plataformas, as campanhas e os palcos.

Ainda assim, as bandas continuam sendo um espaço fértil para colaborações criativas, experimentação e identidade coletiva — valores que não cabem em um algoritmo. Mas, para continuar existindo, talvez elas precisem reinventar sua forma de operar dentro de uma indústria cada vez mais voltada para a performance individual.

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