Calor extremo e tempestades exigem mudanças no planejamento de shows e eventos
Organizadores e fãs precisam rever cuidados e planejamento para shows diante do calor e chuvas fortes que marcam fevereiro de 2025.
Nathália Pandeló
Tempo de leitura: 6 min
Clima afeta realização dos shows com calor extremo e tempestades (Crédito: Pexels)
As altas temperaturas no Rio de Janeiro e as chuvas intensas em São Paulo acenderam um alerta para quem produz ou frequenta shows e eventos. O verão de 2025 trouxe situações atípicas – mas cada vez mais comuns. Embora os cancelamentos de evento não tenham se concretizado em sua grande parte, o conforto, saúde e segurança dos frequentadores passou a ser motivo de preocupação.
E não é para pouco. No Rio, o calor chegou ao nível 4, com termômetros marcando entre 40ºC e 44ºC por pelo menos três dias seguidos, levando a prefeitura a chamar atenção sobre a possibilidade de que eventos presenciais fossem cancelados caso a situação se agravasse. Já em São Paulo, os temporais causaram alagamentos e complicações de deslocamento, jogando o holofote para o setor de eventos e a possibilidade de rever protocolos e criar estratégias de emergência.
Esse cenário colocou o clima de vez e mais do que nunca na lista de preocupações dos produtores de eventos. João Magalhães, organizador do festival Polifonia, no Rio de Janeiro, e um dos fundadores da Agência Olga, explica que essa mudança já aparece na prática do mercado.
“Hoje, a mudança climática virou uma parte fixa do planejamento de qualquer evento. É mais uma linha na planilha de pré-produção, não tem como ignorar. Quando se fala de evento ao ar livre, isso fica ainda mais sério. A gente precisa considerar calor extremo e pensar na distribuição de água, nos pontos de hidratação e em locais cobertos, para o público não ficar exposto ao sol o tempo todo. Já em caso de chuva, especialmente aqui no Rio, janeiro é um mês crítico porque concentra muitos eventos ao ar livre. Então, o cuidado precisa ser redobrado: ter áreas cobertas, pensar no tipo de piso para evitar lama, e planejar bem as entradas e saídas tanto do público quanto da equipe. Isso virou parte do dia a dia do produtor.”
Planejamento ganha peso extra
Não é de hoje que a previsão do tempo passou a ter um papel ainda maior na rotina de produtores e artistas, pois as condições climáticas definem não apenas se o show acontece, mas também como o público e a equipe técnica serão protegidos ou até mesmo conseguirão chegar ao local e ir embora em segurança.
O problema pode se tornar um pesadelo logístico de grandes proporções. Em um final de semana comum, São Paulo concentra entre 70 e 100 shows, enquanto o Rio de Janeiro registra de 40 a 60 apresentações. A estimativa considera casas de grande porte, como Allianz Parque e Vivo Rio, espaços médios, como Audio e Circo Voador, além de bares com música ao vivo e programações de Sescs e teatros. Eventos pontuais, como festivais, também foram incluídos, ampliando a variação dos números conforme a agenda cultural de cada cidade.
No Rio, a escala de calor adotada pela prefeitura em 2024 começou a ser levada mais a sério depois do verão deste ano. O nível 4, alcançado na segunda-feira (17/02), acendeu o alerta sobre os riscos de exposição prolongada, principalmente após a morte de uma fã no show de Taylor Swift, em 2023.
Os shows em locais abertos demandaram adaptações. Organizadores instalaram pontos de distribuição de água e criaram “ilhas de resfriamento” inspiradas nas medidas da prefeitura. Espaços cobertos ou eventos noturnos também viraram alternativas para reduzir a exposição direta ao sol.
Os blocos de Carnaval, no entanto, não serão cancelados. O prefeito Eduardo Paes disse que não interviria na realização dos encontros, que já movimentam a economia de uma das maiores folias de rua do Brasil. Apenas recomendou que os participantes bebessem mais água – curiosamente, no mesmo dia em que a Águas do Rio interrompeu o abastecimento em 36 bairros da Zona Norte da Cidade Maravilhosa para o reparo de uma adutora.
No caso das chuvas, tempo e logística
Em São Paulo, as chuvas de verão são comuns, mas a intensidade em 2025 pegou muita gente de surpresa. E não acabou: ainda hoje (18/02), a previsão de fortes chuvas para a capital levou a Defesa Civil a emitir alertas severos para alagamentos e enxurradas, especialmente nas zonas Central e Leste. Além disso, há a possibilidade de granizo em bairros como Vila Mariana, República e Santana.
Com isso, os produtores de eventos passaram a monitorar radares climáticos em tempo real e a divulgar informações sobre rotas seguras nas redes sociais. Nesses casos, também podem surgir acordos com transportes por aplicativos para embarques e desembarques em pontos secos próximos aos locais dos shows.
Mas não basta tecnologia: o preparo humano é fundamental. João Magalhães pontua:
“Quem trabalha com eventos sabe que clima sempre foi um risco, mas agora é algo que não tem como fugir. A gente sabe que pode cancelar tudo de uma hora pra outra. Por isso, os eventos ao ar livre hoje precisam ter o básico: área coberta, pontos de hidratação, rotas seguras de entrada e saída, e uma equipe treinada. A preparação da equipe é o mais importante. Eles precisam saber orientar o público e agir rápido se acontecer algo, seja calor extremo ou chuva forte. Não é só colocar água e sombra, é saber como reagir em qualquer situação.”
João Magalhães, da Agência Olga e Festival Polifonia (Crédito: Karyme Franca)
O temido cancelamento
Normalmente, os cancelamentos por motivos climáticos são previstos no momento do ato da compra de uma entrada para um show, mas as regras variam bastante de acordo com o contrato de cada evento e o tipo de ingresso.
Na maioria dos casos, quando se compra um ingresso para um show, principalmente ao ar livre, as regras sobre cancelamento ou adiamento estão detalhadas nos termos e condições da venda. Esse documento geralmente traz uma cláusula chamada força maior, que cobre situações como tempestades, enchentes, calor extremo, vendavais ou qualquer evento fora do controle da organização. As letras diminutas, porém, costumam passar despercebidas.
Mas o que isso significa na prática?
Se um show for cancelado por um evento climático severo, como as chuvas em São Paulo ou o calor extremo no Rio, o comprador pode ter direito ao reembolso, mas nem sempre de imediato ou integral. Algumas políticas prevêm que o evento seja remarcado antes de devolver o valor. Outras determinam que o ingresso fique válido automaticamente para a nova data, sem garantia de reembolso rápido.
Em casos mais específicos, como quando parte do evento acontece, mas ele é interrompido por segurança, algumas produtoras não devolvem o valor integral, alegando que o serviço foi parcialmente prestado. Isso gera insatisfação entre os fãs, mas está previsto em certos regulamentos.
Outra questão importante é que, após tragédias como as mortes de Ana Clara Benevides e de João Vinícius Ferreira Simões (na Wannabe Tour, também no Rio de Janeiro), o tema começou a entrar mais forte nas preocupações do público e dos organizadores. Muita gente tem olhado mais os termos antes de comprar, principalmente para festivais ao ar livre.
Para o público, atenção redobrada
Os fãs também precisaram mudar hábitos e planejamento. O calor extremo fez com que muitos passassem a evitar filas longas sob o sol, optando por chegar mais perto do horário do show.
Em São Paulo, as chuvas exigiram capas e calçados adequados, já que algumas casas de show não possuem estrutura adequada para drenar água na entrada. O deslocamento também se tornou parte do planejamento, pois algumas vias alagam rápido e prejudicam a chegada ao evento.
Grandes turnês já se ajustam
Artistas e suas equipes, principalmente os que têm passagens por Brasil e América do Sul, também vão se adaptando ao novo cenário. O episódio com Taylor Swift em 2023 gerou repercussão global e pressionou por mudanças.
Empresários de shows internacionais pedem mais informações sobre as condições climáticas locais, inclusive antes de assinar contratos. Algumas turnês já optam por espaços com melhor circulação de ar ou evitam datas de calor extremo, o que interfere diretamente nas agendas brasileiras.
Para o mercado, esse movimento pode gerar uma distribuição diferente de shows ao longo do ano, com menos datas no auge do verão e uma concentração maior no outono e inverno.
Mudanças ainda em curso
Mesmo com ajustes, o setor ainda está se adaptando. Muitos produtores defendem que medidas emergenciais se tornem padrão nas autorizações de grandes eventos, tanto para calor quanto para chuvas.
É como explica João Magalhães:
“Eu acho que estamos melhorando, mas ainda não chegamos lá. Grandes eventos ficaram muito caros e, às vezes, alguns produtores arriscam em vez de investir na prevenção. Isso é perigoso. Hoje, o clima está no planejamento, mas deveria ser regra, obrigatório mesmo. É importante ter normas e fiscalização, porque a gente não pode esperar tragédia para agir. Todo evento precisa garantir a segurança de quem trabalha e de quem vai assistir. O clima está mais extremo e não tem mais volta.”
A previsão é que esse tema se torne cada vez mais comum em reuniões entre prefeituras e empresários, pois o verão de 2025 deixou claro que o clima já mudou e o mercado precisa acompanhar.